Desistir nem sempre é um ato covarde. Pode ser uma demostração de sabedoria: identificar a hora de parar de doar esforços e energia em projetos que não atendem mais os nossos desejos. Ninguém precisa dar murro em ponta de faca durante anos para, enfim, compreender que uma postura, uma situação, uma profissão ou uma pessoa não lhe faz bem. Pode simplesmente reconhecer o incômodo, descartá-lo e partir para outra, numa
nice, embora muitos sejam adeptos do método empírico "só levando muito na vida para aprender". Também válido, porém [bem] dolorido.
Desistir então, pode ser uma retirada estratégica. Pode representar um sono profundo daquela opção que não se quer mais e coloca-se para dormir, priorizando outras escolhas. Até aí, tudo bem. A situação fica delicada e mais séria, quando a escolha é a de sair por aí desistindo de tudo, e colocando o que for, para dormir: namorados, parentes, amigos. Casa, esposa, marido. Trabalhos, novos projetos, estudos.
Nada prende a atenção. Nada seduz. Desiste-se dos desafios e das pessoas com a mesma facilidade com que troca-se de roupa. Se fulano está incomodando, desiste-se. Se está chateando, desiste-se. Se não-está-te-fazendo-feliz-vinte-e-quatro-horas-por-dia, desiste-se. Nem sempre pedem licença e exigem que todos saiam da frente! Se escondem num mundo paralelo, e o resto que se exploda. De forma descartável, egoísta, e covarde. Alguns se dizem "práticos" por agir assim. Gente prática... Gente prática e tola.
É tolice acreditar que a felicidade vai bater à porta todos os dias, os dias inteirinhos, e em todos os segundos. Quem foi que andou contando esta mentira cabeluda pra você? Quem te enganou? Seus pais, as tias do colégio, os livrinhos de histórias infantis que fazem as pessoas crescerem maravilhadas, sedentas por dias purpurinados, compostos por relacionamentos cor de rosa pink e escritórios verdinhos. Tudo lindo sempre.
E se não forem assim, se estiverem fora dos padrões que foram criados ao longo de todos esses anos, nosso protagonista emburra a cara, desliga o telefone, ofende quem estiver pela frente, ameaça pular pela janela, pede licença da vida novamente, e desfia o rosário de lamentações.
Há questionamentos e queixas saudáveis, que nos tiram da inércia e dão um
looping revolucionário na nossa própria história. Há outros, no entanto, que são resquícios de algum complexo mal resolvido, de príncipes e princesas dentro de nós, homens e mulheres, que faz com que queiramos tudo perfeito, e no primeiro sinal de existência de vida real (amém), deixamos a grosseria e a falta de persistência tomarem conta do ambiente.
Levantar e arregassar as mangas de vez em quando não dói. Desistir de tudo o que nos desagrada, como se fôssemos o centro do mundo, é uma ameaça tentadora para algumas pessoas.
Se permitirmos que isso aconteça, seremos, sim, o centro do universo: o centro do universo do
eu-sozinho. Do universo do eu involuído. Do universo daquele que passa na rua e é apontado como Amarelão. Aliás, nem será apontado... Porque no universo do Amarelão só tem espaço para ele mesmo. E para o seu umbigo.