Filosofar sobre o dia a dia, falando, escrevendo, ou apenas pensando, é um comportamento adorado por uns e odiado por outros, mas inevitavelmente necessário para nos manter lúcidos ( ainda que ácidos) diante da natureza humana, das nossas fraquezas, da nossa vulnerabilidade de ser carne, osso e pele. Um conjunto quebrável e perecível. Constatar que um belo dia não estaremos aqui nesse lugar dói. Dói ainda mais pensar que esta viagem cujo destino sabe-se lá qual é pode ter como passageiro uma pessoa amada demais. Como dói. Haja força.
Dói e amedronta. Dói saber que nossas preocupações, nossos anseios, nossas aspirações, tudo nosso pode deixar de existir daqui a um segundo, basta o coração parar. Basta um idiota trocar de pista sem olhar pelo retrovisor, seguir a mil e te atropelar enquanto faz sua caminhada matinal. Quando você ia pensar que morreria caminhando para não morrer? Não pense, já que dói e fui eu quem comecei, me proponho a fazê-lo por nós dois. Tenho pensado muito no que tem acontecido atualmente no nosso país, e a frequência que tem acontecido. Impunidade.
Pensar na nossa impermanência é uma das atividades mentais mais desconfortáveis. Não tem livro de auto-ajuda ou Dalai Lama que valha, que apazigue a mente, não há respostas exatas, afinal, Dalai é lindo, mas está vivo, como nós.
Impermanente, como nós, a diferença é que ele é iluminado e não dá pití ( será?). Pensar na morte.... Geralmente todos fogem disso, por um motivo ou por outro. Cantarolamos a música que toca no rádio, assobiamos uma outra canção qualquer, lemos um livro ou uma revista para transferir nossas idéias para outro lado. Há quem reze, peça a Deus e aos santos protetores para afastar estes pensamentos ruins. Vale tudo, tudo mesmo. Menos assistir aos jornais na TV.
Uma pessoa rouba achando que está sendo justo roubar de quem tem mais, outra não rouba e se julga uma tola porque não comete o mesmo ato, um homem mente para não magoar quem ama, uma mulher se mantém em silêncio para não denunciar o culpado, alguém mata porque está fora de si, outro morre porque está no lugar errado e na hora errada, e não deveria estar ali naquele momento, outra pessoa socorre, outros fingem que nem viram, crianças correm, avós e pais os recolhem daquela situação e os protegem de alguma forma, portas se fecham, e todos estão em suas casas, acreditando estar salvos do perigo, que não tem mais hora nem lugar.
Uma grande amiga minha, grávida do primeiro filho, perdeu o bebê. Já a segunda gestação foi um sucesso e veio ao mundo uma menina linda, levada como tem que ser - uma espoletinha, como a chamamos. Será que aquele que não veio seria assim? Se tivesse vindo, será que a N. nasceria e nos daria esse prazer de vê-la e amá-la como se fosse da nossa família? Penso muito sobre interrupção de gravidez e sobre essa coisa de pré-destinados. Destino? Como seria se aquilo ali não acontecesse, fosse interrompido, ou o contrário?
Gosto mais de viajar de carro e curtir a natureza do que de avião. Me questiono o que quer dizer uma pastagem queimando sem que ninguém esteja por ali para ter causado? O que quer dizer uma árvore solitária no alto de um cume, isolada, quase coberta pelas nuvens? O que quer dizer aquelas pessoas que aparecem do nada no meio da estrada, andando, andando, perdidas ou não, abandonadas ou não, com rumo ou sem nenhuma perspectiva?
Aquela criança que está sozinha no pátio da creche foi discriminada pelos amiguinhos, está sem alternativas, apenas sem vontade de se juntar aos outros ou tem problemas de comportamento? O que quer dizer um sorriso? O por quê do mau humor, ou do bom humor? Quem se atreve a explicar a razão de fulano ter escolhido para amar justamente você e do sicrano, que você escolheu para amar não retribuir isso?
Neste momento, várias pessoas perambulam pelas ruas em busca de algum lugar, de algum compromisso ou sem motivo algum. Alguém interrompe o trânsito na rua, uma discussão sem mais nem menos, uma multa, uma infração, duas pessoas se olham, se acham e não se separam mais. Tudo porque alguém interrompeu o trânsito naquele momento.
Beijos emocionados, beijos roubados, beijos mal dados... Pais abraçando seus filhos, pais que perdem seus filhos, o cochilo do meio da tarde e a insônia nas madrugadas... Por quê, por quê, por quê? Por quê sentimos medo quando nos sentimos desprotegidos? Po quê nos sentimos fortes e enfrentamos todos os problemas quando estamos ao lado de quem nos ama? O que quer dizer aquela espinha que insiste em aparecer na ponta do meu nariz, durante a minha TPM? Quero saber o por quê sonhamos coisas que nunca conseguimos entender nem explicar - às vezes, nem lembramos do que sonhamos.
Teorias ou a ausência delas... O acúmulo de emoções percebidas, algumas despercebidas, outras assimiladas e a grande maioria nem isso. A felicidade me arrepia, a tristeza me dá sono, quando estou angustiada fico com friozinho na barriga e quando estou apaixonada esse friozinho se transforma em borboletinhas. Fico meio boba e sorrio prá quase todo mundo. Para muitos problemas, encontramos soluções. Para poucas doenças encontramos a cura.
Não consigo ficar do lado de fora do que me afeta, seja bom ou ruim. Então, como dizia o poeta Mario Quintana, "... longa vida aos que preferem estar do lado de dentro, mesmo sem entender muito de nada..."
Constatar que não somos eternos é estranho, pelo menos para mim. De que nossos beijos também não são, nem os nossos sonhos, nem as nossas viagens. Nossos carinhos, nossos chopes, nosso suor, nossas lágrimas. Elas secam, tudo seca, tudo se acaba, só não sabemos quando, nem como e nem queremos saber. Dá medo.
Mas pera lá, medo para quê? Para não se entregar, para deixar de amar, deixar de se doar, deixar de ter um filho, bloquear-se diante de todo e qualquer presente da vida por temer que ela retire tudo de você um dia? Bingo! Não vamos ganhar sempre, mas vamos perder tudo um dia, para ganhar o desconhecido - quem sabe. Enquanto isso, já que estamos aqui, enjoy us. Acendemos velas, incensos, acreditamos em sete vidas ou pelo menos, em uma, após a morte ou agora mesmo.
Começar a dirigir finalmente, procriar, amar, sonhar, comprar, gastar, ajudar, se mexer, pensar besteiras. Até quando? Até quando? Até onde der, ué. Filosofia barata. Doeu, mas passou. Pelo menos por enquanto.
Viajei demais ou tudo isso é porque estou no início do meu inferno astral?
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